Sofre, rosa, para seres formosa!

Olhando à expressão:

A palavra “sofrer”, que significa “sob ferros”, transporta a ideia de carregar um peso. O vocativo, rosa ou Rosa, não sei se se refere à flor ou ao nome próprio (gera-se, portanto, a oportunidade de pensar sobre as duas opções, que aproveitarei e escreverei uma curiosidade acerca da essência das rosas). Por fim, a palavra “formosa”, na sua estrutura, é composta por dois significados: forma + osa (provido de). Formosa significa, então, “provido de forma”. Portanto, esta expressão, na sua origem, pode ler-se da seguinte maneira: “Carrega o peso de seres provid@ de forma”.

Agora… Sabemos que “formosa” tem um atrelado estético, sendo associada a beleza, a graciosidade. Deste modo, esta expressão passa a mostrar uma realidade simples e aterradora: a de carregar o peso que é procurar uma forma específica, a tal que está associada a um tipo específico de beleza, e que é considerado como se fosse o único tipo de beleza. E o aterrador é que o peso não está no ato de procurar uma nova forma (que tantas pode ser uma parte saudável e temporária da vida de tantas pessoas). O peso está no sentir: no facto de, para procurarmos a tal nova forma que é única e específica, estamos a querer substituir a nossa, não a evoluir a partir da nossa. O que fica “sob ferros” é o sentir da pessoa que se enterra para que na vez dela se erga uma pessoa diferente, com uma forma diferente, como se essa forma diferente e específico fosse salvadora de qualquer coisa.

É importante a forma? É, simplesmente porque a forma existe e está na base da perceção visual. E é importante uma forma prevalecer sobre as outras? Não. Porque a forma é apenas a forma, uma fundação sobre a qual muitas casas se podem construir. Relativizar a importância da “forma” implica conhecer a ponte que nos leva da forma que temos à pessoa que somos. Então, façamos este caminho: da forma à aparência e da aparência à identidade.

A forma está inerentemente presente na aparência simplesmente porque temos forma. Mas a aparência é mais do que a forma porque se manifesta através de símbolos, de Gestalt, de padrões de figura e fundo, de jogos visuais de captação de atenção. A aparência contém indícios de pessoalidade, tendo por princípio a ideia de que “é impossível não comunicar”, axioma da comunicação proposto por Paul Watzlawick.

Enquanto a aparência se manifesta por símbolos, pode dizer-se que a identidade contém a história dos símbolos. Contém a narrativa pessoal. Implica construção, estrutura, valores, orientações de comportamento, escolhas. Princípios, sentido, caminho, âncoras. A identidade faz-nos escolher determinados símbolos, determinada aparência. Os símbolos são como luzes de mesa-de-cabeceira à noite, quando a essência, por si só, descansa pousada sobre si mesma.

Hoje em dia, erradamente, assume-se que a forma contém pessoalidade. A forma associa-se, muito imediatamente, a rotinas de auto-cuidado, como alimentação, exercício físico, trabalho postural, etc. Mas será preciso mais informação e desmistificação deste tema, pois esta associação imediata, como muitas outras, ficam muito aquém da realidade e provocam danos no interior de muitas pessoas. Estas associações, entre a forma e a pessoalidade, são tão fortes que podem mesmo bloquear uma pessoa na procura da sua aparência, na procura da construção comunicante entre a sua forma e os símbolos que permeiam o movimento do seu interior para fora, para a luz, afetando profundamente a edificação da identidade. Associações imediatas com todo o tipo de formas são prejudiciais. Desengane-se quem pensa que “quem nasceu com a forma perfeita” se safa desta redução.

Conclusão: a forma é importante porque existe. Vivamos na realidade. Mas acrescentemos as devidas camadas de aparência e identidade como camadas de existência. E de beleza.

Para finalizar, a tal curiosidade sobre as rosas:

As rosas são flores antiquíssimas, cujo uso terá começado na China e, pouco depois, no Egipto para fins estéticos: a sua cor, o seu perfume, preparação de rituais religiosos, etc. Diz-nos a história que começaram a ser produzidas em maiores e maiores quantidades para suprir as necessidades de tantos produtos que se queriam tecer com as ditas rosas. O que aconteceu? Como todos os processos que pretendem acelerar o tempo próprio de cada coisa, as rosas produzidas começaram a perder as suas características genuínas de cor, aroma, alongamento das pétalas, durabilidade dos caules, etc.. Gera-se, então, um novo período: o período de produzir a rosa original! Ao longo do tempo, houve talvez umas 20.000 variedades de rosas, 7.000 das quais ainda hoje perduram. Em 1961, James Alexander Gamble criou um prémio anual, concedido através da American Rose Society, para a rosa vermelha com melhor fragrância. [curiosidade extraída de “Odores e Sensualidade”, de Max Lake, 1989]

Sofia Leite

Photo by Annie Spratt on Unsplash

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