Em sua casa cada qual é rei

O trabalho psicoterapêutico psico-corporal está a fazer uma viagem profusa no sentido de trazer à luz o indubitável papel do corpo e da narrativa do sensível na reconstrução da nossa persona. Mas no nosso corpo-casa, vivem muitos corpos. Nesta nossa casa-corpo, qual destes corpo será rei?

O corpo é multifacetado: fisiológico, emocional, mental, simbólico. A mente apreende estes “corpos” todos e vive através deles a realidade do dia-a-dia. Por sua vez, as decisões, atitudes, reflexões, que são produtos mentais, mergulham de novo nestes corpos, que se vão autorregulando e atualizando com a experiência.

O corpo fisiológico, onde se alojam padrões de reação, hábitos, medos, automatismos. Há autores que chamam a este corpo fisiológico a nova concepção de inconsciente. Há corrente elétrica que passa de célula em célula e permite o fluxo de informação, daqui mede-se o bio-sinal, com sensores incorporados nos mais variados instrumentos de medida. Recebe informação do exterior que percebemos sob a forma de som, luz, paladar, tato, cheiro, intuição… e do interior, que percebemos pela nossa capacidade de proprioceção e interoceção.

O corpo emocional, onde se alojam as respostas repetidas do corpo fisiológico, tendências de resposta, enviesamentos, repetições de narrativas de estímulo-resposta que vão engordando e alastrando o seu significado em todo o volume do self.

O corpo mental, onde se alojam narrativas e fios condutores da vida interna de cada um e que dá contexto de espaço e tempo aos bloqueios do corpo emocional.

O corpo simbólico, onde se alojam heranças e potencialidades de tantas narrativas em cadeia. Cada parte do nosso corpo contém a história das outras partes, contém a história da sua função, do seu uso, da sua dor, da sua força. Provérbios e expressões mostram-nos uma parte deste simbolismo que interpretamos com tanta fidelidade e de forma inconsciente, tantas vezes: “carregar às costas”, “pés assentes na terra”, “mãos largas”, “passo maior que a perna”, entre outros. É importante olhar para este simbolismo. Através dele, o nosso corpo dá-nos informação sobre tantas curvas do caminho. Como avançamos neste símbolo que é cada mergulho no corpo? No corpo simbólico temos também a vida e a morte, literal e simbólica, temos o que experimentamos e o que supomos, o que sabemos e o que recriamos.

O corpo curador agrega e articula todos estes corpos, integra-os e condu-los a um novo estado de equilíbrio quando todos eles habitamos. Afinal, neste contexto casa-corpo, todos estes corpos são rei. Todos eles habitam a casa-corpo, todos eles existem.

Sofia Leite

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