Quem não arrisca, não petisca

  1. Sobre “arriscar”

Arriscar é difícil para toda a gente? Não. Há dois pólos que definem a ação de arriscar como um continuum, sendo que cada um de nós se localiza num ponto ou num intervalo de pontos ao longo deste continuum. Num dos pólos, estão os “novelty-seekers”, ou procuradores de novidade, e no outro estão os “risk-averse”, ou aversos ao risco. Ora, as pessoas que se situam no pólo (ou próximo de) “novelty-seeker” não só têm mais facilidade em arriscar, como têm a tendência de arriscar, sendo por vezes difícil não o fazer. Contrariamente, as pessoas que se situam no pólo (ou próximo de) “risk-averse” são, como a própria palavra indica, aversas ao risco. São pessoas para quem arriscar é um esforço hercúleo, senão impossível. Esta expressão, “quem não arrisca, não petisca”, parece dirigir-se àqueles para quem arriscar implica este (grande) esforço.

Porque é que é tão difícil arriscar? Porque o cérebro é especialmente conduzido pela familiaridade, pela previsibilidade, pela expectativa de controlar o ambiente. Para controlar, é necessário conhecer o ambiente. A entrada num ambiente novo é o suficiente para desarmar este cérebro que procura a previsão. Os centros de deteção de ameaça deste cérebro vão disparar ao sinal de qualquer estímulo menos conhecido:

[Agora imagine-se uma cave com sirenes a soar altíssimas com eco e imagine-se alguém dentro dessa cave a tentar não ouvir as tais sirenes…]

Ameaça!

Sinal desconhecido!

Falta de controlo!

PÁRA!

E chegamos ao momento em que a pessoa reconhece: “Eu bloqueio”. O que acontece é que, disparando estes alarmes, a capacidade de planeamento de ação cessa, desliga, fica temporariamente indisponível. Então, entrar neste espaço desconhecido faz antever que arriscar é uma ação sem recursos de sucesso. Para este cérebro em sinal de alarme e com recursos de coping adaptativo temporariamente indisponíveis, a consequência iminente de arriscar é a falha. E o cérebro toca outras sirenes (as da falha), que a pessoa volta a tentar não ouvir.

Para quem se revê nesta narrativa e quer iniciar a caminhada: como tornar mais fácil a capacidade de arriscar?

  • No novo ambiente, identifique e foque-se nos elementos que se mantém conhecidos;
  • Aumente a consciência que tem do seu próprio corpo e dos sinais de ansiedade que ele emite e desenvolva estratégias para melhorar índices de relaxamento, como descontração muscular (libertação da tensão na zona dos maxilares, ombros, quadril), maior amplitude de respiração, mantenha-se em posições em que os pés estão bem assentes no chão ou movimente os pés, tocando com eles no chão;
  • Identifique metas específicas mais “pequenas” do que a meta final para ser possível dar ao seu cérebro recompensas mais frequentes;
  • Principalmente: é necessário que saiba e aceite que avançamos com as nossas inseguranças, não sem elas. Não existe isso de deixar as inseguranças para trás e avançar sem elas; esperar que isto aconteça é o mesmo que ficar à espera. Avançamos com as nossas inseguranças e é neste caminho conjunto que aprendemos que muitas delas vivem mais como monstros no nosso pensamento do que como verdades na nossa capacidade de agir.

2. Sobre “arriscar para petiscar”

Esta é uma expressão que tem a aparência de nos incentivar a ir mais além, de nos motivar, de nos desmascarar o medo. Mas mesmo assim, não parece motivar o suficiente, pois não?

Petiscar significa provar, comer pouco. Ora bem (pensando ainda nas pessoas para quem é difícil arriscar), arriscar provoca tanto esforço que, se o resultado é, apenas, petiscar, o esforço parece inglório. Parece não haver recompensa suficiente.

Pesando que uma expressão popular serve, acima de tudo, ao povo, à sua sabedoria, ao sentido prático da sua vida, nesta expressão particular, vinca-se a ideia de que petiscar, para o povo, seria o máximo que se podia esperar perante o hercúleo esforço de arriscar, pôr em risco, em ameaça! E esta mensagem é o que passa através desta expressão.

Com isto, fica notório o limite superior onde esbarram as crenças da possibilidade: apenas petiscar. Sugiro que ponhamos a nossa consciência no aspeto subliminar desta expressão: petiscar como recompensa de arriscar. E que, num trabalho de desenvolvimento interno através destas crenças e expressões, desenvolvamos uma meta de recompensa mais merecedora do que apenas petiscar. Que reconstruamos a consciência de um espírito merecedor, abundante, honesto e luminoso. Um cérebro que se permite arriscar dentro de um espírito que se permite receber.

Sofia Leite

Photo by Holly Mandarich on Unsplash

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *